A imagem da técnica de Enfermagem sentada, olhar perdido, ao lado paciente morto na Unidade de Pronto Atendimento do bairro Promorar, na zona Sul de Teresina, é impactante. E revoltante também, como é o desabafo de quem participou da tentativa de salvar o paciente na UPA. O pedido de socorro é de uma jovem, esposa, mãe de três filhos, ser humano como eu e você, mas que por dever de ofício enfrenta a cruel batalha pela sobrevivência todos os dias. Colocando a própria vida em risco.
Um homem esquálido chegou à UPA, carregado nos braços por vizinhos, na noite de quarta-feira (18) em parada cardiorrespiratória. Não havia maca, leitos, tempo. O socorro foi prestado no chão frio da unidade. A técnica em Enfermagem Polyena Santos da Silveira é quem está ao lado do paciente na foto viral. Ela faz parte da equipe que tentou, em vão, salvar um moribundo. Seis ciclos de reanimação... e fim.
"Fiquei sem palavras, sentir dor, e deixei essa dor escorrer pelos olhos e imaginava que poderia ser qualquer pessoa da minha família ali no chão. Ali estava olhando para todos os pacientes graves e fiquei olhando para o cenário e pensei: meu Deus o que é isso? Não temos onde colocar ninguém. Foi um momento de dor, naquele momento fiquei em choque e mais me doía, além de não trazer a vida de volta, foi aquela situação que não é digna de ninguém passar por aquilo ali”. “Quando tudo terminou, todos choramos", revelou a profissional de 33 anos.
Polyena postou vídeo nas redes sociais, um testemunho comovente de quem está na linha de frente da Covid-19, vivendo dia e noite a cruel realidade da pandemia. Profissionais que assistem nos plantões desumanos vidas sendo dizimadas pela omissão de quem deveria dar o exemplo e não o faz.
Vídeo de Polyena Silveira sobre a morte de paciente na UPA do Promorar!
"Não vamos esperar chegar dentro da sua casa pra você entender que não são números, são vidas e vida é sempre o amor de alguém. A gente perder quem a gente gosta, dói. Aquela cena é verídica [...] eu estava na equipe, foi no meu plantão de ontem (18). O sistema de saúde tá lotado, tá colapsado. Eu faço um apelo: se puder evitar de sair, evite! evite pela sua mãe, pelo seu pai, evite pelo seu vizinho. Não temos vaga, não temos leito. Nós, profissionais da saúde, estamos sofrendo, estamos com o psicológico cansado e esse apelo fica na esperança de ser atendido”, revela Poyena.
A técnica revela que a saúde entrou em colapso, sem leitos, sem insumos (inclusive oxigênio), equipamentos, profissionais... sem salário cortado pela metade pelo gestor municipal, que é médico.
"Eu nunca vi o sistema de saúde como estou presenciando. O sistema de saúde colapsou, sim. Não tem vagas, não temos leitos. Faço parte da equipe que recebeu o paciente ontem. O paciente deu entrada em parada cardiorrespiratória, não tínhamos leito, não tínhamos monitor, não tínhamos ventilador. Mas, o que podíamos fazer, foi feito. A gente tá com essa falta de equipamento porque a demanda de paciente tá muito alta e, consequentemente, vai faltar, como está faltando. Fizemos mais de seis ciclos de reanimação cardiopulmonar e, infelizmente, não conseguimos trazer o paciente de volta", lamenta a técnica, cujo vídeo viralizou nas redes sociais nesta sexta-feira (19).
Polyena chora ao lado do corpo do idoso já sem vida
Foto: Reprodução
"A gente tá numa situação traumática, trabalhando assustada, com medo. Queria fazer um pedido do fundo do coração com toda humildade: se puder ficar em casa, fique em casa. Senão for uma saída essencial, que realmente precisa, fique em casa. Fique em casa por mim, que sou profissional de saúde, pelos meus amigos que sofrem e estão sofrendo a cada paciente que a gente recebe e não temos onde colocar. Estamos sofrendo junto com a família daqueles pacientes que ficam lá fora esperando uma alta, uma transferência, até mesmo um óbito para poder ocupar uma vaga", revelou Polyena.
De ontem para hoje, o Piauí enterrou mais 20 pessoas, entre elas o “Seu Abraão do suco”. Até ontem eram 3.740 mortos pela Covid-19 em 217 municípios do estado com outros 190.385 infectados pelo novo coronavírus em todos os municípios. Enquanto Polyena Silveira pede socorro, dezenas de pessoas permanecem nas ruas, no comércio, nas academias praticando atividades físicas, outras entram pela madrugada na balada inconsequente, bebendo, fumando... colocando a própria vida – e de suas famílias – em risco.
"É difícil! Pra quem tá vivendo, pra quem tá acompanhando é difícil. Enquanto eu estava em um dos ciclos de reanimação desse paciente eu disse: gente, o que está acontecendo? Aqui poderia ser meu pai, aqui poderia ser minha mãe, poderia ser meu filho nessa situação. É doloroso, dói!", desabafa Polyena Silveira, que postou novo vídeo nesta sexta-feira (19) sobre o caos nos hospitais públicos e privados de Teresina.
Veja o vídeo de hoje!
"Tenho dito: Sou outra Polyena desde o início desta maldita pandemia! Vivemos em uma constante metamorfose...sofremos, lutamos, perdemos, ganhamos para evoluirmos e neste momento não foi diferente. Em oito anos de profissão nunca senti tanta dor como senti neste plantão. Passamos por um momento traumático, nosso país já não tem mais ordem e progresso. A saúde colapsou e nós profissionais da saúde estamos carregando nos braços o peso de um governo corrupto e de uma parte da sociedade, a hipócrita! Mesmo chegando no meu limite de cansaço físico e psicológico durante uma RCP não desisti, pois Deus renova minhas forças a todo instante. Sem dúvidas,este momento fará parte de mais uma evolução em minha vida como profissional, mãe, filha, irmã, esposa e amiga. Parabéns aos meus amigos de profissão,que diante de toda dificuldade que estamos passando continuamos nessa guerra dando o nosso melhor!!", escreveu Polyena.
Fonte: Instagram/Facebook
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